Efeitos da "arte exótica" em um espectador europeu

"Esse é o sentimento que tenho, ao ver o desfile da arte exótica do Brasil, do Benin, da Nova Caledônia, da Nova Guiné, que revela à Europa a sua antítese. Uma arte que respira os tempos primevos e o vigor genésico, que cheira aà selva tropical e a crocodilo, que nos leva de volta a fases evolutivas, a estágios anímicos, que nós os europeus, aparentemente, já havíamos, há muito tempo, "superado". Não vamos, naturalmente, retomá-los ao nível dos povos da Oceania. mas teremos forçosamente de aceitar de novo esses diabos e ídolos. Não pelo nosso intelecto e nossa ciência, mas, pelo nosso sangue e coração. Com tudo o que, pelas nossas artes, nossa espiritualidade, nossas religiões, ganhamos, cultivamos, aperfeiçoamos e, paulatinamente, diluímos e volatizamos, como os nossos ideais e os nossos gostos, deixamos crescer o lado do homem, com prejuízo do princípio inverso. Servimos a um deus da luz, pela negação das forças das trevas. Goethe, em sua Teoria das Cores, celebra as trevas, não como o nada, mas como o fecundo contra pólo da luz. Com o mesmo assombro (apenas sem a consciência de Goethe), defronta-se, hoje, o mundo artístico e espiritual europeu com as criações originárias de Bornéu e do Peru. Colhido pela surpresa, chega a admirar e, até, a adorar, as obras que antes considerava abomináveis, espectrais. E, de repente, volta-nos à lembrança como as mais fortes personalidades, na arte da já velha Europa. Dostoievsky e Van Gogh, que possuem esse selvagem e fanático impulso para o fantástico e aterrador, esse odor do proibido, essa afinidade com o crime."

Hermann Hess, 1922 (A arte dos ociosos)

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