RESENHA Por Rosana Silva de Jesus[1]



                Palestra-debate: Palhaçaria em Pauta, IHAC/UFBA, 2011.

REIS, Demian. Caçadores do riso: o mundo maravilhoso da palhaçaria. 2010. Tese (Doutorado em Artes Cênicas) Escola de Teatro, Universidade Federal da Bahia, Bahia. 2010.


A expansão da dramaturgia trouxe possibilidades para se pensar as diferentes formas de atuação dentro desse campo. Então, Demian Reis na introdução da sua tese de doutorado “Caçadores do riso: O mundo maravilhoso da palhaçaria” faz uma abordagem da sua pesquisa sobre a dramaturgia do palhaço, a qual chama de palhaçaria. Desse modo, também busco relacionar as reflexões contidas na introdução da tese com as experiências vividas nas aulas do Laboratório de Criação e Práticas Artísticas e também com a palestra Palhaçaria em Pauta.
Na palestra Palhaçaria em Pauta (PP), Reis expôs a sua metodologia de pesquisa para explicar como conseguiu identificar as diferentes estratégias usadas na palhaçaria. Para isso, ele assistiu aos espetáculos, em diferentes países e contextos, entrevistou os palhaços (que atuavam nas ruas, nos circos), além de sua própria experiência como atuante no grupo palhaços para sempre. Com isso, buscou-se identificar elementos que constituísse a dramaturgia do palhaço.
A palhaçaria se constrói através da “experiência cênica de um atuante (palhaço) que engaja a plateia (espectador) num estado de riso, com consciência (técnica), usando principalmente o dispositivo de expor (exposição) a si como objeto do riso do outro” (REIS, 2010, p.8). Percebe-se que a interação do palhaço com a plateia (através da construção da ação cômica) guiado pela técnica resulta nessa dramaturgia. A interação desses elementos possibilita um maior entendimento sobre arte do palhaço já que a construção do cômico tem uma abrangência mundial.
Então, diante dessa abrangência da comicidade, Reis buscou identificar “estratégias”, “dispositivos” que fazem parte da palhaçaria, abarcando as diversas formas de atuação. Embora exista, de maneira geral, um enaltecimento de uma característica central do palhaço (o indivíduo que se coloca como objeto do riso do outro), cabe ressaltar que eles se expressam de maneira diversificada. Mesmo utilizando esse princípio da palhaçaria, a atuação é construída de maneira diferenciada, pois fazemos parte de diferentes culturas, contextos sociais, que influenciam diretamente essa ação.
Uma das estratégias utilizadas na palhaçaria para criar um elo com a platéia é a construção da ação cômica. Diferentemente dos humoristas, que tem o outro como objeto do riso, o palhaço utiliza-se como objeto motivador do riso. Uma das primeiras características apontada por Reis, nas aulas do laboratório de criação e práticas artísticas (LCPA), é a sinceridade do palhaço, ele não tem a vergonha de se expor ao ridículo, ao contrário, “isso é mostrado de modo divertido, toda essa dramaturgia da vida, é exposta de maneira risível” (ibid., p.3). Então, o atuante utiliza (como foi discutido na palestra PP) as próprias características (que se quer esconder) e faz delas o objeto do riso. Isso se torna um desafio, pois é necessário despir-se de padrões morais que são impostos pela sociedade, cristalizados pelos indivíduos, e o palhaço, como um transgressor, se opõe aos padrões sociais, e nesse contato com o espectador a sinceridade deve prevalecer.
Além disso, para criar o vínculo sincero com o público, o improviso faz parte da palhaçaria. Dani Felix, na palestra PP, propôs que o improviso pode ser pensado no âmbito constitutivo. O atuante (palhaço), que segue um roteiro, pode apropriar-se da ação já formulada e conduzi-la a sua maneira. Uma gag clássica como o número do espelho, exemplificada por Reis na peça o sapato do meu tio, foi ressignificada pelos atores acrescentando suas experiências, suas técnicas, para assim convencer a plateia da veracidade da ação. Dessa forma, amplia-se a possibilidade de construção do cômico, a partir do repertório individual dos atores.
A ação do palhaço também deve conter a “universalidade de entendimento”. (ibid., p.3). Essa ideia ficou muito clara nas aulas do (LCPA), quando foi solicitado que improvisássemos uma ação que depois seria repetida e improvisada pelo próximo a executá-la. Então, quando a atuação não era realizada de maneira clara, o seu desenvolvimento também era prejudicado, pois cada um entendia de forma diferente ou não entendia. A expressão do palhaço deve ser compreendida pelo espectador para que exista uma interação que resulta numa resposta.
Diante do aspecto do riso, a platéia e o palhaço se complementam em posições distintas (ibid., p.3). Em 2009, assisti no Teatro Castro Alves (no projeto domingo no TCA) a peça O sapato do meu tio com os atores Lúcio Tranchesi, Alexandre Luis Casali e com a direção de João Lima. Em um determinado trecho da peça, uma música acompanhou as ações do tio e o sobrinho, que naquele momento não interagiam diretamente. Daí, a platéia (eu me incluo nisso) acompanhou o ritmo da música com palmas e no momento que eles voltaram a interagir o silencio prevaleceu. O público agiu de forma tão natural como se aquela atitude fizesse parte do espetáculo. A ação do público resultou da “universalidade do entendimento” que foi proposto pelos atores através das ações que expressavam alegria, tristeza e verdade. Isso reforçou ainda mais a interação entre os espectadores e os atores.
A definição de palhaçaria possibilita um maior entendimento sobre a dramaturgia do palhaço (construção do cômico, elo com a plateia, as estratégias, o improviso), pois permite abarcar as diferentes formas de atuação, em diferentes contextos sociais, culturais. Além disso, procura discutir determinadas representações que permeiam o senso comum sobre a figura palhaço e também possibilita o uso dessas reflexões diretamente nas ações práticas dos iniciantes no universo da palhaçaria.

Rosana Silva de Jesus

[1]  Aluna do Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades; Área de Concentração de Políticas e Gestão da Cultura da Universidade Federal da Bahia. 

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