A Arte de Ir - (João Pedro Matos)
João Pedro Matos. Palestra-debate: Palhaçaria em Pauta, IHAC/UFBA.
A Arte de Ir
João Pedro Matos
A Arte de Ir
Salvador, 03 de Setembro de 2011
A partir do que fora ministrado na palestra Palhaçaria em Pauta, que contou com a presença da Palhaça Suzana Reagan e da Mestranda em Sociologia do Palhaço Daniela Félix, teço nesta resenha possíveis tangências entre tal comunicação oral e a introdução da tese de doutorado “Caçadores do Riso” do Professor Doutor Demian Reis.
Chamado por razões históricas de palhaço na atualidade, este ente abarca uma diversidade tão incomensurável de formas de expressão estética que não lhe cabe, por esta razão, uma síntese conceitual que o enquadre numa forma – ou fôrma. Logo, as lentes que o investigam se debruçam sobre a situação ou a circunstância social na qual se insere o artista.
Estamos a falar da comédia, pólo das artes cênicas que tem por objetivo o efeito do riso. Neste campo, assim como os atores cômicos, o palhaço promove o riso através de artifícios diversos, valendo-se de qualquer linguagem artística para isso. O que os diferencia constitutivamente é o lugar social que ocupam na obra: se o ator representa algo que não está nele mesmo, o palhaço apresenta a si próprio, em seu próprio corpo. Ou seja, o ente da palhaçaria se coloca como “alvo do riso” ao enunciar estranhezas peculiares ao seu ser.
Este lugar de fala, que se associa facilmente ao ridículo, comenta, provoca e questiona os valores culturais que lhe servem de base e trampolim. Assim, o contato com o público faz-se imprescindível, e por isso, esta arte de ir ao encontro do outro mergulha no território fluido e impreciso de uma investigação pessoal e intransferível. Este salto (ou queda) afigura um fluxo que segue estendendo pontes sobre as próprias fronteiras, que se arrisca no desafio transgressor e delicioso de rir de si mesmo.
Assim como a humanidade se atualiza ao longo do tempo, este fazer artístico é diferente em cada momento histórico, e também dialoga com as normas que circunscrevem cada comunidade. Entretanto, este panorama se estende desde um passado impreciso, numa dimensão espacial incapaz de contemplar todos os meios pelos quais se subverte a ordem com o “prazer de suspender as inibições”. Como os indivíduos rejeitados pela sociedade medieval por sua feiúra e estranheza que adentravam as cidades apenas durante os festivais para divertir as pessoas bonitas e insultar os poderosos (Gaulier). Como o grupo de teatro Lume atuante no Brasil contemporâneo. O que interessa aqui é esboçar um espaço-tempo que singulariza a tarefa de cada um destes entes responsáveis pela catalisação de mudanças de valores em todos os campos da existência.
Assim, bufões, enganadores, brancos e augustos compartilham o rol da palhaçaria em sua incongruência. Direções que partem desta dramaturgia, situada no corpo do artista expandido, em contato com seu público – co-autor de sua obra. Aberto a percepção minuciosa do presente, numa interação que rearticula a experiência ao sabor dos acontecimentos, o palhaço ingressa a academia e desempenha seu papel. Invertendo as polaridades e denunciando a verticalidade, desestabiliza a ordem para diluir a resistência histórica em tratar dos desprivilegiados mestres nesta arte de ir e rir.João Pedro Matos
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