Vivência de Palhaçaria, por Nelson Junot Borges
O primeiro contato com a palhaçaria surgiu de uma necessidade acadêmica e da curiosidade em respeito a uma oficina de palhaços. Com um misto de medo e ansiedade, fui conhecendo melhor e começando a entender que esta seria uma experiência que me traria uma profunda transformação, tanto na maneira de pensar quanto de agir.
As primeiras aulas foram importantes para entender a teoria da palhaçaria. Saber que o palhaço se diferencia por se colocar como alvo do riso foi como a descoberta de uma coisa óbvia, que para mim, e acredito que para muitos, não era percebida. O contato com outros palhaços, de diferentes lugares, permitiu um mergulho no mundo da palhaçaria, despertando uma empolgação quase que adolescente. Ver aquelas pessoas falando com tamanha paixão do dia a dia e falando das dificuldades e recompensas de ser palhaços e palhaças, mostrando a possibilidade de explorar seus próprios “problemas” foi um grande estímulo para a continuidade do trabalho.
Passado o encantamento inicial, pude perceber que seriam quatro meses de muita diversão, mas, sem dúvida, de muito trabalho sério e gratificante. Novos temas e exercícios a cada terça feira serviam para comprovar o quão difícil, e quanta técnica é exigida para ser um bom palhaço.
Entender a complexidade desta importante figura milenar da sociedade passa necessariamente por entender a diferença entre fazer ou ser a piada. Era compreender que o palhaço era movido pelo riso, e que iria muito além do nariz vermelho. Foi uma oportunidade de conhecer a história de grandes palhaços, desde os que herdaram uma cultura familiar de palhaçaria, até os que se formaram na vida.
Alguns exercícios marcaram o semestre e faziam muito sucesso durante as aulas como os temas do “tropeço”, do “esbarrão”, do “feião”, do “que legal”, entre outros. Seguindo sempre a linha do casa/caos/casa ou inverso, eram trabalhos que exigiam muita disposição e uma troca de energia e olhares muito profunda, causando uma verdadeira renovação e uma recarga de baterias, melhorando significativamente a semana. O efeito era tão intenso, que nas semanas de feriado, ou em que não pude comparecer a aula, a diferença de disposição e de energia era facilmente notada.
Dois momentos tiveram grande destaque durante a caminhada. O primeiro foi o contato com índio Ismael Ahprac Krahô durante um intercâmbio cultural de palhaçaria. Ahprac é um hotxuá, uma espécie de palhaço indígena, que veio a convite do professor Demian Reis, participar do Hein?ComTraço realizado em outubro de 2011. Este encontro reuniu palhaços de vários lugares para discutir a palhaçaria e, principalmente, gerar risos aos que participaram do evento. Ter contato com o índio foi como descobrir outra cultura e outro mundo. Apesar de tão próximo, a diferença era muito grande nos valores e costumes.
O elo de união estava no riso, os hotxuás tinham uma importância social muito grande na sua sociedade e eram profundamente respeitados por ela. Assim como os palhaços, eles se colocam como alvo do riso e divertem as pessoas com coisas simples e bobas do cotidiano. A ligação com a natureza chamava atenção em Aphrac, que nos ensinou e mostrou a riqueza da sua cultura, fazendo repensar muito tudo que fazemos e vivemos no nosso dia a dia.
O outro momento foi o batizado de palhaço, em que recebemos do professor Demian Reis o nariz vermelho. Junto com o nariz, recebemos muita dedicação e energia para a nossa iniciação. A caminhada para chegar a ser um palhaço não acabava ali, muito pelo contrário, a sensação é de que ali ganhávamos o direito de começar a ser palhaço. Ainda seria necessário muito trabalho e experiência para nos tornamos palhaços um dia.
O batizado foi seguido pela primeira experiência de palhaçaria fora da sala de aula. Saímos pela universidade vestidos e com a alma de palhaços, em busca do riso das pessoas. Claro que cometemos muitos erros técnicos, mas foi a primeira chance de sentir a força e a liberdade de ser um palhaço, que ultrapassa os limites do medo do ridículo e do julgamento das pessoas. Ao ser palhaço, gritar e fazer besteiras, deixam de ser loucuras e passam a ser uma profunda diversão para todos. Ser palhaço causa uma sensação de poder e de felicidade, difíceis de serem explicadas.
Outro momento interessante foi a reunião da turma para assistir o filme O Palhaço, que gerou um rico debate e permitiu perceber como o assunto da palhaçaria, infelizmente, ainda é negligenciado. Graças ao conhecimento desenvolvido durante o semestre, conseguimos enxergar o filme para além da história engraçada e comovente, e vimos que os palhaços pouco foram valorizados e explorados na história.
O semestre foi finalizado com a preparação para o espetáculo. A escolha de números e os ensaios foram tão gratificantes quanto complicados, pois tudo que foi trabalhado durante a oficina agora precisaria ser feito em uma data e hora marcada. Em uma construção coletiva, conseguimos realizar o espetáculo Arrumação, com números clássicos como o do Espelho Quebrado, que eu fiz com o colega João Gabriel, e outros números menos conhecidos. Com todas as dificuldades e defeitos comuns a amadores, que ainda somos, foi um bom espetáculo, que serviu para sentir um pouco mais sobre o que é ser um palhaço.
A oficina representou para mim uma grande oportunidade de auto conhecimento e de encarar dificuldades em busca de amadurecimento. Repensar é um bom verbo para exemplificar tudo que a palhaçaria me despertou. Através desta vivência, muita coisa foi ressignificada e repensada em minha vida. É difícil encarar o riso e a comicidade da mesma maneira, depois de ter sentido na pele o que é ser um palhaço. Sem ter pretensão de graduar em melhor ou pior, ficou evidente a diferença e o espaço do palhaço na comicidade.
O palhaço é solidário e corajoso, ele tem um caráter divertido, mas também denunciador de problemas e das dificuldades da humanidade. Colocar-se a frente de todos, expondo seus medos e dificuldades é um ato difícil, que nem todos conseguem fazer. Não posso garantir que um dia serei um palhaço, apesar de ser uma grande vontade, mas ter experimentado esta sensação é um motivo de grande orgulho pra mim, que espero ter pelo menos absorvido a essência do palhaço, o que já me transformaria em uma pessoa muito melhor. Muito obrigado a todos os palhaços do Brasil e do mundo.
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